domingo, janeiro 28, 2007

- Agora eu resolvo a minha vida.

As sacolas de viagem dificultavam a subida delas na condução. Era uma menina muito menina e uma senhora muito senhora.
- Me ajuda aqui, filha.
E a menina, com a barrigona redonda como o mundo, esticou o braço para a senhora, fazendo uma careta feia de quem arrasta três pesos: a velha, o bebê e a si própria.
O ônibus estava lotando. Ficou parado na frente da praça da estação uns cinco minutinhos, até todos os passageiros subirem - com suas sacolas de viagem, batons vermelhos, cintos afivelados e perfumes que dão enjôo às sete da manhã. Aquelas pessoas vinham de onde se acorda com os pássaros para o grande esgoto vivo chamado, generalizadamente, de capital.
A senhora devia ser avó da menina: que não eram de gerações vizinhas, isso estava na cara, nas mãos, na barriga. O filho, que teria uma mãe pré-matura, dava chutes de zagueiro. O olhar da menina, bem decidido, avistava a cidade tomando posse de um lugar que sempre foi seu.
Sentou no banco preferencial de gestantes, enquanto a senhora, tímida, sentou no banco baixinho mesmo, à frente.
- Vem pra cá, falou a menina, afastando-se para o banco ao lado.
- Aqui tá bom, filha, respondeu a senhora com os olhos na vidraça do ônibus, acompanhando o movimento da rua, como os velhos gostam de fazer.
O ônibus deu partida arrancada, quase derrubando as sacolas de viagem no chão. Confundindo-se com o barulho do motor, ouviu-se a voz da menina baixinho:
- Agora eu resolvo a minha vida.