O canto
O passarinho cresceu vendo o trânsito da casa. Todos decidiam o seu destino, até o bebê, que engatinhava pela sala quando a mãe se distraía, conversando comas vizinhas. O passarinho cantava, um canto de desespero, de socorro, de angústia, e todos riam, achando lindo. Se debatia na gaiola quando ia receber alpiste, e pensavam que era fome.
Um dia, a mão que o alimentava vacilou, deixou uma brecha e ele escapuliu. Voou, e viu que o céu não era só o quadradinho da janela da lavanderia, era muito maior, uma imensidão. Viu as árvores, viu os fios elétricos, e voou mais e mais e mais. Até que os meninos do outro quarteirão acertaram uma pedra de baladeira bem na sua cabeça. Cantou alto, forte, rápido. O único canto de passarinho da sua vida.