segunda-feira, abril 24, 2006

São partes íntimas do meu pensamento que nem eu as toco por inteiro. Elas afloram com a chuva; sua chegada carregada de uma melancolia de água. Balançam, como o líquido de um copo segurado por alguém dentro de um trem. Balançam mais e mais calorosamente, feito trapezista no ar mostrando seu show. Explodem aqui, ali e além, esses estranhos íntimos, música de uma Gal universal, doada pelo povo inconscientemente gentil do Brasil. Uma hospitalidade sem fim, de dono da casa dormir na sala. Gritos altíssimos pousando na minha cabeça com a chuva. Tudo isso tem um quê lá no fundo de catedral, abrigo cinzento, gótico e pontiagudo, onde se procura por Deus. Deus. É mais fácil encontrá-lo na voz de Gal do que dentro de uma catedral banhada a ouro. Sabe-se lá onde se encontra Deus. Provavelmente ele passa pelos meus mais íntimos pensamentos, naquela parte deles a qual ainda não toquei. Sentindo o vento chega-se exatamente ao pensamento puro: é quando todos os outros se soltam, e fica na mente só aquele que, desprovido de qualquer vontade, aparece. Percebê-lo? Só com a mais absoluta solidão. São os momentos únicos, o nascimento do filho, o pôr-do-sol lilás. É quando fica tudo bem, talvez o contato mais próximo que o homem já fez com a Origem, o vento.


*ando lendo demais Clarice, dá pra notar.
*uma mulher morreu hoje no meu prédio. a morte de perto é estranhíssima.